terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Eugénio Rosa

"HÁ LONGOS anos que Eugénio Rosa vem estudando a realidade económica portuguesa e propondo, a quem quiser ouvi-lo, um ponto de vista alternativo à «cassete» do economês oficial que nos é hegemónica e totalitariamente incutida. É certo que só especialistas podem validar tecnicamente o trabalho de Eugénio Rosa. Mas o mesmo vale, de resto, para qualquer dos colegas de ofício seus opostos que, apesar disso, validando-se uns aos outros, constroem um discurso autosuficiente, como se não estivessem submetidos, eles também, aos mesmos imperativos de validação.



Mas Eugénio Rosa enfrenta vários problemas sérios. Primeiro, não tem coro! Não tem a favor das suas teses os ventos dos tempos. Tudo quanto diga, quanto estude e quanto escreva tende a conhecer dois destinos: o silenciamento ou a primária refutação de destruição massiva. Segundo, é comunista. Ou, como dizem lá do outro lado do Atlântico, é um «dissidente!». E esses têm a vida muito mais dificultada. Por várias razões.



A primeira é que trabalharão condenados ao não reconhecimento oficial pela sociedade que com a sua inteligência, com o seu estudo, com os seus erros e acertos tentam servir. Pode parecer secundário, de um ponto de vista altruísta ou «voluntarista». Mas não o é. Porque o único reconhecimento a que a obra destes homens e mulheres poderá aspirar é o de outros homens e mulheres como eles. E o que daí resulta é que tudo quanto possa constituir um genuínio reconhecimento de mérito intelectual, académico, cívico e político pode ser apresentado ou antes, trucidado, pelo que podemos chamar de «efeito de seita». No caso, «coisas de comunista»!



A segunda dificuldade consiste na arte penosa de, chamemos-lhe assim, falar contra o vento. Toda a propaganda bem feita e verdadeiramente penetrante é-o porque infinitamente repetida, claro. Mas também porque desde o princípio é arquitectada em consonância com o espírito do tempo. Para dizer um lugar-comum mesmo desses de fronteira com o absurdo, mas que já toda a gente tem no ouvido, não é preciso mais do que algum (pouco) tempo e muito à-vontade.



Ora, nas chamadas «democracias mediáticas», o tempo é coisa que corre breve e o à-vontade é privilégio de comentadores «residentes», fregueses do costume, gente que se comporta num estúdio de televisão como se estivesse na sua própria sala de estar. E, na verdade, estará. Pelo contrário, quem tiver de contrapor uma tese diferente, precisa de tempo, de espaço e de atenção para ser convenientemente escutado. Tudo artes perdidas na vertigem incomunicante da mal chamada comunicação social. Sabendo, ainda por cima, que ao invés dos que virão silenciá-lo ou trucidá-lo, ele não dispõe de mais do que esses minutos que nem Deus é capaz de saber quando se repetirão.



Uma terceira dificuldade reside no facto de que elaborar pensamento é muito mais difícil do que construir não-pensamento. Uma das razões para que o não-pensamento seja mais auscultado e escutado, venha esse nao-pensamento da direita, da esquerda ou de qualquer outro lado imaginável, é que pensar é árduo, arriscado. Coloca-nos à prova, insecuriza-nos, suscita a dúvida. Aliás, o lugar-comum, o dogma e o preconceito são apreciados e difíceis de combater não pelo acerto que revelam da parte que os enuncia, mas pela segurança que fornecem a quem os escuta.



Qualquer pensamento da diferença tem de contar com todos esses gigantescos obstáculos e, munido de uma força e de uma paciência de Sísifo, continuar a tecer-se, muitas vezes solitariamente, sempre minoritário, sempre desqualificado pela corrente dominante e triunfante. É por isso que o pensamento crítico, na mais profunda acepção que a expressão encerra, se filia na História, ao passo que o pensamento dominante se reporta apenas ao instante e à contigência em que se faz ouvir até à sua extinção.



Num livrinho pequeno que sugestivamente intitulou A História como mistério, ( pp. 28 e 17), referindo-se aos seus pares, o historiador crítico norte-americano Michael Parenti observou como «Muitas das distorções existentes na corrente predominante da história podem nem ser voluntárias ou conscientes, já que há coisas que ultrapassam qualquer ideologia política e qualquer cultura». Simplesmente, acrescenta, muitos destes «historiadores que se presumem imparciais não se dão conta de que se encontram instalados na respeitabilidade ideológica, sem aceitar qualquer ponto de vista contrário à corrente hegemónica. Este sincronismo entre as suas crenças individuais e o credo predominante costuma chamar-se: objectividade».



Por seu lado, prosseguia Parenti, «Os dissidentes [...] não seguem a corrente predominante, nadam contra ela, lutando sempre contra as opiniões respeitáveis prevalecentes. Encontram-se privados do que Alvin Gouldner chamou os “pressupostos de fundo”, o implícito, o não analisado, as ideias feitas que convidam a acreditar que o já aceite coincide com o rigorosamente certo. É a esta familiaridade estabelecida e a esta unanimidade de preconceitos que frequentemente se chama “objectividade”. Por esta razão os dissidentes têm de estar constantemente à defesa e argumentando muito próximos da evidência e da prova».



Se o que e válido para os historiadores ou para os jornalistas o é também para os economistas, sabê-lo-á, como poucos em Portugal, o economista Eugénio Rosa. Isso e mais coisas.




Fica a ligação para alguns dos seus escritos em linha:
http://www.eugeniorosa.com/

Rui P.
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